Friday, April 29, 2011

Falemos de Talento…


Nos últimos 15 anos, as questões da formação, das qualificações e do conhecimento, estiveram na boca dos responsáveis políticos. Guterres tinha a paixão pela Educação e, mais tarde, pela chamada Estratégia de Lisboa, Sócrates alimentava uma fé inabalável nas Novas Oportunidades e no Plano Tecnológico (coma aposta para a chamada sociedade do conhecimento). Os conceitos inerentes ao desenvolvimento humano estiveram, pois, na linha da frente, infelizmente sem grande objectividade e sem um diagnóstico claro. Sem entrar nos meandros de todas as iniciativas, algo sobressai à vista: a dificuldade de apresentar, de modo objectivo, os benefícios concretos que valorizaram as Pessoas e a sua capacidade de realização. Dito de outra, forma, a dificuldade em demonstrar o impacto e os resultados de tudo o que se fez.
A preocupação é contudo, legítima e meritória. A palavra-chave hoje, a nível mundial, é o designado Talento. Sem preocupações de rigor académico, diria que Talento é a aptidão que um indivíduo possui de realizar determinada tarefa ou processo com nível de eficiência e eficácia extraordinário, bastante acima da média e, geralmente, com um bom potencial de evolução associado. Estas características, em contexto profissional, poderão partir de traços de personalidade, aptidões inatas, preferências e gostos enraizados ou competências adquiridas - pouco importa a origem. E, neste contexto, há que ter uma “visão inclusiva”. Não devemos olhar para a realidade “a preto e branco”, segmentando os que têm e os que não têm talento. Antes devemos ter o discernimento de identificar diferentes escalas e diferentes graus de talento em todas as pessoas. Uns serão óptimos a planear e a organizar, outras a gerar ideias, outras vocacionados para os pormenores e a destreza técnica, outros para comunicar e gerir relações de confiança.
O Talento pode e de deve ser aperfeiçoado nos momentos-chave (educação de base, formação académica, desenvolvimento ao longo da vida e gestão de recursos humanos nas organizações). Existe hoje uma preocupação que designaria como consensual: de que modo os sistemas de educação e formação estão efectivamente orientados para os seus destinatários. Numa sociedade em rede, complexa, devemos ter uma visão alargada Família – Escola – Academia - Comunidade. As aprendizagens não podem ser desenvolvidas apenas através de “ensino formal”, baseado em metodologias tradicionais, mas também em “vivências activas”. Deve-se conseguir o compromisso entre conhecimento geral, investigação, inovação e as exigências dos mercados de trabalho. Existirá, ainda, a necessidade de complementar competências “do saber” com competências do “saber fazer” e do “saber estar”. Não se pode ignorar que competências como Liderança, Visão Estratégica, Resiliência, Gestão da Mudança e Criatividade são essenciais para a realização e o sucesso profissionais. Na vida profissional, as organizações (empresas e outras) devem criar condições para o crescimento de cada indivíduo: a autonomia progressiva, a aprendizagem constante, a liberdade para criar e inovar, o mérito e a orientação para os resultados.
Tudo isto será mais relevante que uma dezena de programas governamentais centralizados, pouco práticos e dispendiosos.

Friday, April 15, 2011

Das cidades imaginadas às cidades planeadas


Na sua obra-prima “As Cidades Invisíveis”, publicada em 1972, Italo Calvino expõe um conjunto de pequenas histórias a partir de um contexto ficcionado: Marco Polo descreve ao imperador mongol Kublai Khan as cidades que visitara, no decurso das suas longas viagens. O desejo do imperador é montar o império perfeito a partir dos relatos que ouve do seu jovem amigo e emissário. São mais de 50 cidades, por vezes absurdas e metafóricas, lugares imaginários, curiosamente sempre com nomes de mulher. As descrições são curtas, agrupadas por temas: as cidades e a memória, as cidades e o céu, entre outros. Estas cidades fantásticas, perdidas num espaço temporal vasto (cruzando ambientes orientais das Mil e Uma Noites com ambientes ocidentalizados, com tráfego automóvel e arranha-céus), têm todas elas uma característica única, uma marca que as distingue, que as torna atractivas e lhe confere personalidade. O resultado é uma obra extraordinária e dificilmente definível.
Lembrei-me desta obra a propósito do cada vez mais actual debate sobre as políticas de cidades. Acho que já não oferece discussão a necessidade de uma cidade apostar na sua missão, nos seus factores de atracção e diferenciação. É conhecido o conceito de “cidade criativa”, desenvolvido por Charles Landry, (consultor britânico), e Richard Florida (professor norte-americano da Carnagie Mellon). A premissa das chamadas “cidades criativas” é simples: cidades com elevada capacidade de atracção de indivíduos qualificados, que apostem em indústrias e sectores criativos (nas áreas das tecnologias de informação e comunicação, da ciência e da investigação científica, da cultura, das artes, do design, da educação, entre outros) terão maior solidez em termos de desenvolvimento e qualidade de vida. Ambientes tolerantes, propícios à diversidade e à multiculturalidade e ambientes dinâmicos, com uma boa oferta em termos culturais e de lazer, atraem os segmentos mais jovens e criativos, que produzem inovação e criam valor. Depois, desenrola-se o efeito dominó: criam-se redes de empresas, atraem-se mais pessoas, reanimam-se os centros históricos, alavanca-se o turismo e uma cidade dita “normal” torna-se uma cidade excepcional.
Será que as cidades alentejanas, com as suas imensas potencialidades, poderiam começar a pensar nisto? Com uma riqueza arquitectónica ímpar, com uma qualidade de vida ainda acima da média, porque não apostam nestes factores diferenciadores? Gostaria de ver nas cidades alentejanas ambientes vibrantes – praças e ruas cheias de gente, as principais ruas a fervilharem de restaurantes, cafés, esplanadas, bares e lojas de produtos locais, frequentadas por milhares de turistas, como muitas cidades espanholas e italianas que conheço, às quais nada ficamos a dever. Gostaria de ver mais centros culturais e galerias de arte. Gostaria que existissem infra-estruturas de apoio a grandes eventos empresariais, como bons centros de congressos, eventos estes que se tornariam uma excelente fonte de receitas para a região. É uma utopia? Não, não é…para isto apenas é necessária uma visão de longo prazo, a mobilização de esforços, inteligência no marketing territorial e vontade política!
Poderemos, pois, ter aqui no Alentejo “cidades imaginadas” que, com planeamento e estratégia, se convertam em cidades únicas e atractivas, com qualidade de vida potencial de crescimento social e cultural? Acredito convictamente que sim!

Carlos Sezões

Friday, April 01, 2011

Preparem-se…não vai ser fácil…


Ao contrário de algumas reacções (legítimas) de muita gente, não acolhi a notícia de demissão do governo com alegria e fogo-de-artifício. Independentemente da avaliação que se faça do trabalho deste executivo e do respectivo primeiro-ministro (muito má, na minha óptica), a questão é que, no actual contexto económico, financeiro e social, ter de mudar um governo e ir para eleições, é sintomático do nível a que chegou a nossa vida política: o grau zero, caracterizado pelo ódio e pela crispação extrema no relacionamento entre os agentes políticos e a total incapacidade de diálogo e de geração de qualquer consenso mínimo.
Numa democracia adulta e madura, o estado dramático em que estamos teria já originado um governo de base alargado (dito de salvação nacional) em que as diferenças ideológicas e programáticas seriam, por um tempo, postas de parte em prol de um plano de emergência em que o País, em uníssono, se comprometesse com objectivos para os próximos dois anos.
Utopia? Não, não é….um pouco por toda e Europa (ver Espanha aqui ao lado) é assim que se têm gerido estes tempos difíceis e se têm preparado as bases para o futuro. Pelos vistos, passados quase 37 anos desde que implantámos a nossa democracia, ainda estamos na fase da adolescência político-partidária…e vamos pagar por isso.
Concordo que a provocação arrogante e desastrada do governo com a apresentação do PEC 4 não deu ao PSD outra opção que não fosse esta. De facto, não existiam já condições mínimas para segurar um governo que, para além do total desrespeito institucional (com o Presidente da República, com a Assembleia, com a Oposição...) nas questões mais formais, não encontrava melhores ideias para reduzir o défice que cortar nas pensões de 180 ou 200 euros. Foi a gota de água.
E agora? Bem, vamos para uma campanha eleitoral em que, receio, a demagogia, o populismo, a vitimização e o ajuste de contas serão o pão nosso de cada dia.
Será pena. Até porque será uma perda de tempo. Os nossos parceiros europeus, o FMI, os nossos credores e as agências de rating, que (bem ou mal) nos avaliam, serão insensíveis aos nossos psico-dramas mesquinhos. O que quererão saber é o que faremos agora, para restauramos o mínimo de viabilidade financeira como Estado soberano, que ainda tentamos ser. Depois seria então interessante perceber que estratégias teremos para o futuro – na competitividade, no emprego, no modelo de Estado, na educação e na formação ao longo da vida. Sim, porque serão estas questões que nos permitirão olhar para Portugal num prazo de 10 a 15 anos e ver alguma saída, alguma visão de esperança.
Por isso, na minha óptica, a primeira coisa que qualquer eleitor português deverá fazer é riscar das suas opções de voto quem apresente um discurso facilidade a curto prazo e que não saiba para onde quer ir no longo prazo. Portugal já pagou o suficiente por esta constante falta de “trabalho de casa”. Portanto, preparem-se…não vai ser fácil…


Carlos Sezões