Thursday, April 29, 2010

Aproveitemos o Mar!


O Presidente Cavaco Silva, num bem conseguido discurso no dia 25 de Abril, sublinhou a importância de Portugal aproveitar as oportunidades que este mundo globalizado lhe apresenta. E enfatizou uma em particular: a economia do mar. Como muito bem lembrou, temos uma longuíssima linha de costa, beneficiamos da maior zona económica exclusiva da União Europeia e detemos uma herança histórica formidável como país marítimo (com a consequente imagem de marca já adquirida). Como podemos aproveitar estas características e atributos? De muitas formas e com impactos positivos em termos de economia, emprego, conhecimento e inovação.
Em primeiro lugar, apostar na área dos transportes marítimos e da gestão portuária. Mais de metade das mercadorias (produtos e matérias-primas) que transitam no comércio mundial fazem-no por mar. O comércio marítimo (em concreto, a carga contentorizada) tem registado um crescimento enorme (com as exigências de novos terminais e plataformas logísticas associadas). Portugal está numa situação geográfica única, podendo assumir-se como interface na relação Europa – América – África e ainda aproveitar a aposta europeia no transporte marítimo de curta distância. De referir ainda outro ponto forte adicional, a disponibilidade de infra-estruturas recentes e da capacidade instalada.
Depois, teremos o sector da náutica de recreio e do turismo náutico. Quer por motivações desportivas (vela de cruzeiro, windsurf, remo, motonáutica, pesca desportiva, caça submarina, etc) ou apenas pelo lazer das férias (cruzeiros), estas são áreas de seduzem anualmente milhões de turistas, com elevadas taxas de crescimento (p. ex. cerca de 3 milhões de europeus fazem anualmente férias de cruzeiro).
Em termos económicos, não podemos esquecer a pesca, a aquicultura e as indústrias alimentares inerentes. Aqui, a exploração de áreas de potencial aquícola (multiplicar investimentos como os da Pescanova), novos modelos de comercialização do pescado e valorização da sua indústria serão linhas estratégicas fundamentais.
A nível energético, teremos um sector com um potencial elevadíssimo, assente nas modalidades renováveis das ondas, das marés e da eólica off-shore (ao longo da linha costeira). De sublinhar ainda os programas de produção de algas para captura de CO2 e produção de biomassa (já temos um projecto desta natureza em Sines). Por último, teremos a área da construção e reparação naval. Teremos de fazer uma aposta forte na modernização, reconversão ou criação de novos estaleiros com vista às necessidades de mercado de grandes unidades e de embarcações de recreio.
Esta aposta não será, por si só, a solução mágica para todos os males da economia portuguesa - mas pode seguramente ajudar. E nem sequer é necessário perdermos mais uns anos em estudos, diagnósticos, livros brancos e afins. A União Europeia já definiu estratégias concretas para a economia do mar – onde, para quem não sabe, temos uma das maiores autoridades europeias na matéria, Tiago Pitta e Cunha, membro do gabinete do Comissário Europeu para os Assuntos Marítimos e as Pescas. Aqui, em Portugal, já foi realizado no ano passado pela SAER uma excelente estudo (coordenação de Ernâni Lopes) intitulado “O Hypercluster da Economia do Mar”. Apenas resta que líderes políticos e empresariais sinalizem esta aposta e lancem projectos concretos. Aguardemos…

Carlos Sezões

Friday, April 16, 2010

À espera do Estado…


Quase todos os conhecedores e apreciadores das artes teatrais, conhecem a imortal obra de Samuel Becket “À espera de Godot”. Sendo uma das peças fundamentais do século XX, com uma influência significativa nas gerações de dramaturgos seguintes, tem um enredo simples com uma mensagem de cariz simbólico-existencialista fácil de descrever: os personagens Estragon e Vladimir aguardam, durante toda a peça pela chegada de um tal Godot que, afinal, nunca chegará. O absurdo da espera, a fé ingénua e infundada numa salvação com a vinda desta desejada personagem, a apatia e acomodação em aguardar que a solução caia do céu presidem a toda a acção, até ao final trágico.
Tudo isto me ocorre a propósito do Estado. Existe, enraizada fortemente no povo português, a noção de que o Estado chegará sempre que algum indivíduo, grupo ou instituição estiver em perigo ou insatisfeita.
Quando uma empresa está prestes a fechar e centenas de pessoas estão perante um cenário de desemprego, chama-se o Estado; quando um banco, por culpa própria, está perto da insolvabilidade, chama-se o Estado; quando existe um ano com más condições climatéricas para a agricultura, chama-se o Estado; quando os combustíveis aumentam, as transportadoras chamam pelo Estado; os pilotos da TAP querem aumentos salariais (os seus salários médios já são superiores a 8500 euros!) e apelam/ pressionam o Estado. Isto para além do que o Estado assume, de forma contínua e estrutural: para além dos custos do seu próprio funcionamento, as pensões e as prestações sociais concedidas aqueles que entraram em condições de reforma ou caíram em situações de pobreza/ exclusão. Antes que seja apelidado de perigoso liberal, desde já alerto que, com este inventário, não pretendo valorizar negativamente todas estas responsabilidades (algumas delas legítimas) que o Estado assume. Apenas quero afirmar, sem rodeios, que isto não é sustentável e que um Estado com uma visão humanista não se pode converter em “Estado assistencialista”. Em bom português, assim não dá! Haverá um dia (que está mais próximo do que muitos julgam) em que, tal como Godot, o Estado não aparecerá. Motivo: falta de meios (leia-se dinheiro). E aí, sim, teremos uma situação dramática em termos sociais.
De facto, não podemos continuar a gastar como temos feito até aqui. Quando a produtividade e criação de riqueza não atingem patamares mínimos de crescimento, não se pode distribuir o que não existe, por muito que queiramos. Haverá solução? Seguramente muitas e variadas, apesar de dolorosas. Para começar, temos de impor limites às prestações sociais (plafonamentos) e impedir automatismos que permitam acumulações que, praticamente, são incentivos para muitas pessoas se manterem fora do mercado de trabalho. E as pessoas que recebem prestações sociais podem perfeitamente, assumir tarefas de apoio à comunidade (a crianças, idosos, às famílias em geral), através de juntas de freguesias, associações, IPSS’s e outras entidades públicas e privadas que, hoje, se esforçam com poucos meios para produzir mais e melhor. Depois há que rever o nosso modelo social. Será possível vivermos em média até aos 80 anos e reformarmo-nos todos aos 60 ou 65 anos? Na Alemanha, a idade acabou de ser aumentada para os 67 anos. Não será possível reduzir as centenas de milhões de euros de desperdício (confirmados em estudos independentes) do Serviço Nacional de Saúde? Haverá, seguramente, com modelos e gestão diferentes dos actuais. E o Estado tem mesmo de estar presente em tantas áreas da economia, suportando défices de exploração de centenas de milhões de euros (ver casos dos transportes e da televisão)? Ou preocupar-se tanto em influenciar as decisões estratégicas de grandes grupos empresariais, muitas das quais dificilmente podemos entender a racionalidade. Claro que não. Aliás, no seu papel de árbitro e regulador deverá, sim, criar condições para se invista e se crie riqueza.
Acredite, caro(a) leitor(a), que iremos passar os próximos cinco anos a discutir estas questões, como mais ou menos serenidade mas, no final, tudo sempre se resumirá ao seguinte: reformamos o Estado agora, ou mais tarde, quando nos vierem reformar à força?

Carlos Sezões