Monday, September 28, 2009

Teletrabalho ao serviço do desenvolvimento do Interior (Jornal Registo 28/09)


Não é a primeira vez que escrevo sobre teletrabalho e, provavelmente, não será a última. Acredito convictamente que é uma “janela de oportunidade” que as regiões do interior, e o Alentejo em particular, não estão ainda a aproveitar convenientemente. Como é sabido, o Teletrabalho é uma forma de trabalho exercida à distância, de forma autónoma, utilizando tecnologias de informação e comunicação que asseguram um contacto directo (se necessário, em tempo real) entre o teletrabalhador e empregador. Este paradigma tem beneficiado essencialmente das inovações tecnológicas verificadas nos últimos anos (ex. banda larga, aplicações informáticas em ambiente web, entre outras).
Trata-se de uma inovação que torna o factor geográfico não tão decisivo como dantes. Qualquer pessoa, cuja actividade não pressuponha qualquer interacção ou atendimento presencial, poderá efectuar o seu trabalho longe da sede física da sua empresa. Ou, se for um trabalhador por conta própria, poderá prestar serviços controlados e avaliados à distância para a sua entidade cliente. Como tal, qualquer teletrabalhador poderá, em teoria, residir numa aldeia do Alentejo e trabalhar, a tempo inteiro ou parcial, para uma empresa sedeada no Porto ou em Barcelona.
Muitas serão as funções profissionais susceptíveis de aderir ao teletrabalho, de uma forma regular ou pontual. Desde funções mais tecnológicas (ex. analistas, programadores, gestores de redes), de gestão (ex. supervisores comerciais, controladores de gestão) ou outras (ex. designers, tradutores, técnicos de contas), muitas serão as áreas pertinentes para expansão desta nova realidade. Também é de sublinhar o seu importante papel social em proporcionar a integração profissional de pessoas com graus de deficiência motora que afectem gravemente a sua locomoção.
O Teletrabalho pode ser exercido a partir de casa ou de telecentros (espaços preparados tecnologicamente, autênticos escritórios-satélites). Mas não se pense que se trata apenas de ter um computador com acesso de banda larga à Internet: tal pressupõe uma infra-estrutura tecnológica colaborativa com voz e som, salas de reunião virtuais, partilha de aplicações (ERP’s, CRM, bases de dados empresariais, etc), replicando o ambiente encontrado numa empresa tradicional.
Em muitos países, o teletrabalho tem crescido de forma impressionante. Por exemplo, na administração federal dos EUA, a aposta tem sido evidente (quem tiver curiosidade, pode aprofundar este conhecimento em www.telework.gov). Naturalmente, esta nova realidade abre oportunidades enormes para a criação de empregos e para a fixação de pessoas em regiões mais desfavorecidas, tradicionalmente, não eram beneficiadas pela geografia ou pela abundância de recursos. Uma nova variável entra em consideração pelos profissionais e as empresas: a qualidade de vida. Regiões que proporcionem boas condições para uma vida familiar saudável e para um bom equilíbrio entre a componente pessoal e profissional – ex. oferta cultural - serão as mais favorecidas.
Será, pois, essencial a criação de telecentros ou de outras infra-estruturas de serviços partilhados, que poderão, a título de exemplo, ser fruto do esforço conjunto de universidades, associações empresariais, autarquias e outros agentes. Também será pertinente (penso ser mesmo inevitável daqui a uns anos) a utilização da fiscalidade como instrumento de incentivo para o teletrabalho.
Dito isto, é importante passar da discussão estratégica à execução. O tão falado e debatido Plano Tecnológico poderá ter aqui um bom caso de sucesso.

Carlos Sezões

Monday, September 14, 2009

“Políticas de Juventude”: uma farsa? (Jornal Registo 14/09)


No advento de um novo período de campanha eleitoral, este é, naturalmente, o tempo do surgimento dos programas e propostas por parte dos partidos políticos. E, quase de forma generalizada, é imprescindível que nas últimas páginas dos referidos programas apareça um pomposo capítulo dedicado à “Juventude”. Sob um qualquer título generalista, é debitado, frequentemente, um conjunto de declarações de princípios, sempre louváveis e consensuais, a incontornável “aposta nos jovens”, a convicção que “são o futuro de Portugal”, entre outras pérolas. E, depois, um conjunto alinhado de objectivos/ medidas/ anseios, geralmente avulsos, e baseados na maioria das vezes numa lógica de paternalismo e subsídio-dependência.
Tendo sido até há cerca e dois anos atrás (com orgulho!) dirigente de uma juventude partidária, tenho o “à vontade” e algum conhecimento de causa para falar desta matéria e, com as honrosas excepções de alguns programas, classifico este fenómeno como uma farsa autêntica.
Primeiro, porque as políticas que servem os jovens são transversais. Encaro-as em 3 grandes grupos: a educação/ formação/ cultura, a empregabilidade, a habitação. Um conjunto integrado de políticas, desdobrado em medidas concretas, devia basear-se, primeiro, na identificação de entropias que bloqueiem o crescimento pessoal/ profissional dos jovens e actuar cirurgicamente sobre elas. Dou deste já alguns exemplos: a qualidade do ensino enquanto estímulo para a aprendizagem e aquisição de novas competências, uma oferta cultural para estimular o sentido crítico e a participação cívica, a abertura do mercado de trabalho e a facilidade de inserção e progressão, no início da carreira, um mercado de arrendamento flexível para quem deseja constituir família ou iniciar uma vida independente…entre muitas outras. Tratam-se, claro está, de políticas que devem ser alinhadas pelo Estado central mas também, de forma sequencial, executadas/ especificadas pela administração local, à medida de cada realidade territorial. Um política de juventude verdadeira teria esta arquitectura e seria controlada e avaliada pelos resultados nas diversas áreas. E, nestas, a médio prazo, seria pertinente incluir o grau de atractividade do País para jovens estudantes/ profissionais estrangeiros que aqui se estabelecessem e viessem a enriquecer, com a sua diversidade, o nosso capital humano.
Naturalmente, que tudo isto não se consegue sem poder de decisão, com vista a alinhar e assegurar a coerência de políticas tão transversais. E aqui, o estatuto político, o cargo de suporte, é essencial. Infelizmente, este governo resolveu juntar no mesmo saco, Juventude e Desporto. Na prática, a juventude tem sido um apêndice neste penoso mandato de 4 anos, sem qualquer realização concreta digna de registo. Uma nota pessoal: apenas dei pela existência do actual secretário de estado, Laurentino Dias, quando este apareceu alvoroçado na comunicação social, por causa do processo disciplinar a um jogador do Benfica (Nuno Assis), já o mandato do governo ia quase a meio (!)…isto diz tudo!
Rematando e concluindo: Políticas de Juventude são pertinentes e necessárias! Mas devem ser concretas, integradas e executáveis, não apenas meros desabafos resultantes da má consciência de quem as apregoa.

Tuesday, September 01, 2009

Dois “Portugais”? (Jornal "Registo" - 31/08)


Desde já a minha devida e indispensável “declaração de interesses”: para quem não saiba, sou militante do PSD e irei votar no projecto político do meu partido no próximo dia 27 de Setembro. Dito isto, não posso deixar de, com desprendimento emocional, me interrogar sobre os discursos e as “narrativas” políticas que temos ouvido nos últimos meses em Portugal.
Para o Governo PS, Portugal é hoje um país na crista da onda em termos de opções de futuro. É o país das tecnologias nas escolas, das energias renováveis, da administração pública online e do e-government, do Simplex, das Novas Oportunidades, das políticas sociais arrojadas, do TGV, dos carros eléctricos, enfim, um país num frenesim reformista que lhe garantirá o sucesso nas próximas gerações. Tudo isto é, naturalmente, louvável.
Do outro lado, temos, para a oposição, um retrato extremamente duro (e real) de um país com défices de educação e literacia tremendos, com uma justiça indescritível em termos de ineficiência e morosidade, um sistema de saúde que tarda em reorganizar-se para os níveis de serviço pretendidos, com uma economia pouco competitiva e com um endividamento externo brutal, que poderá comprometer o futuro das próximas gerações.
Em que ficamos? O problema é simples: é que, por muito que custe e o Governo actual não admita, o “primeiro Portugal” que mencionei dificilmente tem dimensão e força para puxar pelo segundo. É uma gota de água! O primeiro é um Portugal levemente conjuntural, o segundo, infelizmente, é um Portugal fortemente estrutural.
Efectivamente, de pouco servirá à eficiência global da Administração Pública a abertura de “vias verdes” que, facilitando sem dúvida a vida aos cidadãos, mantêm intocável uma gigantesca máquina burocrática de entidades (institutos, direcções gerais e regionais, agências…) de utilidade duvidosa. Aqui, a verdadeira reforma, que tem de começar pela definição das funções do Estado e respectivos processos de suporte, continua por fazer, apesar das promessas do PRACE. Da mesma forma, de pouco valerão mais computadores no ensino que não for assegurada um novo modelo de gestão das escolas e da sua interacção com a comunidade envolvente. De pouco servirá apregoar a eficiência energética de alguns edifícios se o nosso património urbano se continuar a degradar com as leis de arrendamento arcaicas que temos. Ou pouco conforto nos darão alguns investimentos em sectores de ponta da economia (que são bem-vindos) quando o grosso do nosso tecido produtivo (PME´s) encontram contextos extremamente desfavoráveis para a sua competitividade e sobrevivência (ex. fiscalidade, legislação laboral, apenas para citar os mais evidentes).
Como tal, estas narrativas levam-nos a percepcionar dois “Portugais” mas sem um discurso claro e transparente que nos permita vislumbrar soluções. O caminho possível: começar por reformas nas questões estruturais mas também construir uma visão estratégica de futuro que inclua algumas das boas ideias deste Portugal emergente. Será que o “sectarismo” e o “fundamentalismo” que estão em voga na política portuguesa permitirão este discurso construtivo?