Thursday, August 25, 2011

Conservadorismos…


A discussão (bizarra e absurda) à volta do tratamento ao Ministro da Economia Álvaro Santos Pereira – que prefere ser apenas “Álvaro” e dispensa os formalismos de Senhor Ministro, Excelência ou Doutor - trouxe de novo a evidência de um certo conservadorismo que teima em reinar em Portugal. Um conservadorismo bacoco e vazio, que não acrescenta nada e serve apenas para marcar distâncias e sublinhar estatutos.
É verdade que somos latinos, e como tal valorizamos a hierarquia e os sinais exteriores de poder e autoridade. Mas a cultura do “senhor doutor” e do “senhor engenheiro” é um anacronismo que em Portugal é levado ao limite do ridículo. Não é preciso ter passado pelo mundo anglo-saxónico como o Álvaro (passou pela Inglaterra e pelo Canadá) para perceber esta realidade. Quem lidar com espanhóis ou italianos (que, mesmo em contexto empresarial, rapidamente começam a tratar os interlocutores por “tu”) compreende facilmente esta especificidade portuguesa, que ocupa espaço escrito e tempo falado e esgota a paciência de muitos de nós.
Mas estes são apenas sinais menores da cultura do status e da imagem, que conservamos. A mesma cultura que permite e valoriza as dezenas de assessores de cargos públicos, as brigadas de motoristas e as frotas automóvel de alta cilindrada – afinal, quanto mais tiver, mais poderoso parecerá! Que fez com que muito boa gente, empresária no papel, acomodada na realidade, investisse mais em jipes e quintas com piscina do que em aumentar capacidade económica das suas empresas. Que permite que as coisas demorem a ser decididas e executadas, porque quem manda não pode ser incomodado. Que permite que certas profissões (ex. os juízes) tenham um estatuto social que os imunizem de qualquer avaliação objectiva dos seus actos e de estarem sujeitos a uma efectiva cultura de mérito e resultados – prejudicando os bons e protegendo os maus. Acreditem que os chamados “direitos adquiridos” que estão em discussão de norte a sul de Portugal, em diversos contextos, não são apenas dinheiro em jogo: são estatuto e poder. É a cultura do “Conservar”, não do “Realizar”.
Poder-se-á dizer que em Portugal ainda vinga o “diz-me o que tens e como és tratado, dir-te-ei quem és”. Bem, talvez tenhamos de mudar…Talvez o “ser” e o “fazer” tenham de ganhar protagonismo nas sempre inevitáveis percepções sociais. Talvez o que produzimos de valor para a sociedade – como indivíduos, como profissionais, como gestores – deva ser encarado como a chave da consideração social que cada um merece (o respeito, esse deve ser sempre o mesmo).
Enfim, tudo isto parecerá secundário num país que vive um dia de cada vez para cumprir o inevitável memorando da troika…mas talvez uma nova mentalidade, mais aberta e menos conservadora, ajude a que nunca mais precisemos de troikas impostas no futuro!

Carlos Sezões

Thursday, August 11, 2011

Empreendedorismo simplificado e desmistificado


Não existe, nos últimos 20 anos, governo em Portugal que não tenha apregoado a sua devoção ao empreendedorismo – fosse num programa eleitoral, num qualquer discurso parlamentar de ministro ou inauguração de secretário de estado. Compreende-se…o conceito é simpático e “modernaço” e muito dado a frases bonitas. Bem, é justo constatar que faziam-no, geralmente, com a mesma autenticidade de um jogador brasileiro acabado de chegar à Portela a declarar que é benfiquista desde pequenino! E pouco se saía das intenções e das generalidades…
Este governo ainda tem um historial curto demais para balanços ou elogios mas, neste campo concreto, merece pelo menos uma palavra de apreço inicial: foi o primeiro a criar uma secretaria de Estado da Competitividade, do Empreendedorismo e da Inovação e a ter assim uma visão integrada desta realidade. Efectivamente, é necessária que a investigação científica e a consequente inovação esteja ao serviço da economia real e não apenas a ocupar o tempo e o orçamento da vida universitária. E é necessário que a competitividade da economia portuguesa esteja assente na inovação e não nos baixos custos/ salários. Vista a parte estratégica, falta ver a capacidade de execução, até porque o conceito é complexo.
“Empreendedorismo” não é apenas o trajecto de alguém a criar o seu próprio negócio, seja ele o café da esquina ou a empresa tecnológica que irá inventar o próximo Google. É toda uma mentalidade, uma atitude e espírito orientado para inovar – por conta própria ou (porque não?) por conta de outrem. É olhar e ver soluções onde outros vêem apenas ameaças ou problemas. É descortinar antes dos outros uma oportunidade no mercado e conceber formas criativas de a aproveitar – com novos produtos, novos processos, novas tecnologias ou novos modelos de gestão.
Temos 3 obstáculos consideráveis em Portugal: a saber, o estigma cultural, a falta de competências de planeamento/ gestão e o financiamento.
Os dois primeiros resolvem-se, essencialmente com a educação de base, a formação e a promoção social do empreendedor. É preciso, desde cedo, a promoção da iniciativa, das competências de planeamento, gestão de projectos, liderança e análise e gestão do risco. Enfatizar que tentar, errar, falhar e tentar novamente é normal e saudável – temos de nos tornar uma sociedade tolerante ao erro! Mas também garantir que os projectos empreendedores serão sustentáveis e reduzir a sua mortalidade. Depois, o financiamento das boas ideias necessita de “capital semente” - financiamento mais orientado à fase inicial do projecto, como a pesquisa, análise de mercado, desenvolvimento do “produto”. Não deve ser apenas o Estado com os seus subsídios ou o seu capital de risco (Ex. o Finicia e outros programas similares) a constar do menu de opções. A criação de fundos universitários desta natureza e um enquadramento jurídico favorável dos chamados business angels – investidores, com uma boa rede de contactos e experiência consolidada em alguns sectores de negócio – são áreas a explorar.
O empreendedorismo não será a cura de todos os males da economia portuguesa. Mas, numa economia global, a funcionar em rede, o papel de pequenas e médias empresas, inovadoras e flexíveis, resultantes do esforço criativo dos empreendedores é cada vez mais relevante. Há que favorecer o seu nascimento e a sua multiplicação!

Carlos Sezões