Friday, April 16, 2010

À espera do Estado…


Quase todos os conhecedores e apreciadores das artes teatrais, conhecem a imortal obra de Samuel Becket “À espera de Godot”. Sendo uma das peças fundamentais do século XX, com uma influência significativa nas gerações de dramaturgos seguintes, tem um enredo simples com uma mensagem de cariz simbólico-existencialista fácil de descrever: os personagens Estragon e Vladimir aguardam, durante toda a peça pela chegada de um tal Godot que, afinal, nunca chegará. O absurdo da espera, a fé ingénua e infundada numa salvação com a vinda desta desejada personagem, a apatia e acomodação em aguardar que a solução caia do céu presidem a toda a acção, até ao final trágico.
Tudo isto me ocorre a propósito do Estado. Existe, enraizada fortemente no povo português, a noção de que o Estado chegará sempre que algum indivíduo, grupo ou instituição estiver em perigo ou insatisfeita.
Quando uma empresa está prestes a fechar e centenas de pessoas estão perante um cenário de desemprego, chama-se o Estado; quando um banco, por culpa própria, está perto da insolvabilidade, chama-se o Estado; quando existe um ano com más condições climatéricas para a agricultura, chama-se o Estado; quando os combustíveis aumentam, as transportadoras chamam pelo Estado; os pilotos da TAP querem aumentos salariais (os seus salários médios já são superiores a 8500 euros!) e apelam/ pressionam o Estado. Isto para além do que o Estado assume, de forma contínua e estrutural: para além dos custos do seu próprio funcionamento, as pensões e as prestações sociais concedidas aqueles que entraram em condições de reforma ou caíram em situações de pobreza/ exclusão. Antes que seja apelidado de perigoso liberal, desde já alerto que, com este inventário, não pretendo valorizar negativamente todas estas responsabilidades (algumas delas legítimas) que o Estado assume. Apenas quero afirmar, sem rodeios, que isto não é sustentável e que um Estado com uma visão humanista não se pode converter em “Estado assistencialista”. Em bom português, assim não dá! Haverá um dia (que está mais próximo do que muitos julgam) em que, tal como Godot, o Estado não aparecerá. Motivo: falta de meios (leia-se dinheiro). E aí, sim, teremos uma situação dramática em termos sociais.
De facto, não podemos continuar a gastar como temos feito até aqui. Quando a produtividade e criação de riqueza não atingem patamares mínimos de crescimento, não se pode distribuir o que não existe, por muito que queiramos. Haverá solução? Seguramente muitas e variadas, apesar de dolorosas. Para começar, temos de impor limites às prestações sociais (plafonamentos) e impedir automatismos que permitam acumulações que, praticamente, são incentivos para muitas pessoas se manterem fora do mercado de trabalho. E as pessoas que recebem prestações sociais podem perfeitamente, assumir tarefas de apoio à comunidade (a crianças, idosos, às famílias em geral), através de juntas de freguesias, associações, IPSS’s e outras entidades públicas e privadas que, hoje, se esforçam com poucos meios para produzir mais e melhor. Depois há que rever o nosso modelo social. Será possível vivermos em média até aos 80 anos e reformarmo-nos todos aos 60 ou 65 anos? Na Alemanha, a idade acabou de ser aumentada para os 67 anos. Não será possível reduzir as centenas de milhões de euros de desperdício (confirmados em estudos independentes) do Serviço Nacional de Saúde? Haverá, seguramente, com modelos e gestão diferentes dos actuais. E o Estado tem mesmo de estar presente em tantas áreas da economia, suportando défices de exploração de centenas de milhões de euros (ver casos dos transportes e da televisão)? Ou preocupar-se tanto em influenciar as decisões estratégicas de grandes grupos empresariais, muitas das quais dificilmente podemos entender a racionalidade. Claro que não. Aliás, no seu papel de árbitro e regulador deverá, sim, criar condições para se invista e se crie riqueza.
Acredite, caro(a) leitor(a), que iremos passar os próximos cinco anos a discutir estas questões, como mais ou menos serenidade mas, no final, tudo sempre se resumirá ao seguinte: reformamos o Estado agora, ou mais tarde, quando nos vierem reformar à força?

Carlos Sezões

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