Thursday, March 03, 2011

O Magrebe aqui à porta


Os recentes acontecimentos na Tunísia, no Egipto e na Líbia trouxeram para dentro dos lares europeus, via televisão, toda uma região do mundo aparentemente esquecida, apesar de estar aqui à nossa porta: o denominado Magrebe, região do norte de África que ocupa toda a margem sul do Mediterrâneo, com as suas numerosas sociedades jovens, ávidas de liberdade, democracia, empregos e qualidade de vida.
O momento e a velocidade com que tudo sucedeu são impressionantes. Regimes aparentemente sólidos, governados com mão de ferro, começaram a cair como castelos de cartas. Quem assistiu à queda do Muro de Berlim e dos regimes totalitários da Europa de Leste em 1989-90, não pode deixar de recordar as semelhanças entre estes dois autênticos terramotos históricos.
Para a Europa, a evolução desta região é fundamental. Os recursos energéticos e as matérias-primas aí existentes, as oportunidades de investimento (actuais e futuras) e, principalmente, a gestão da imigração daí originária são variáveis vitais para a geoestratégia europeia.
Na encruzilhada actual, há quem anteveja cenários optimistas e pessimistas. Quem antecipe um quadro mais negro, verá aqui a transição de regimes autoritários (mas simpáticos para o ocidente) para regimes totalitários extremistas, de carácter religioso, no pior exemplo do Irão. Há quem veja, pelo contrário, a oportunidade de emergirem sociedades livres e democracias genuínas e sólidas, com alguma semelhança à Turquia ou às monarquias moderadas da Jordânia e de Marrocos.
Existem esperanças fundadas para este último cenário. Para começar, as revoltas populares foram despoletadas por grupos pouco estruturados, essencialmente constituídos por jovens e os partidos ditos religiosos desempenharam papéis secundários no evoluir das situações. Tem sido referido na comunicação social a importância de blogs e redes sociais (Facebook e Twitter) na disseminação das mensagens e em congregar todos os intervenientes numa causa comum. Tal só foi possível pela existência de segmentos da sociedade minimamente educados e qualificados.
Contudo, a construção de uma democracia exige mais que multidões eufóricas na rua a celebrar a sua liberdade. Pressupõe que as novas constituições e leis fundamentais e os novos sistemas políticos a emergirem garantam o respeito pelos direitos humanos, liberdades e garantias mais elementares (e aqui incluo, a igualdade entre sexos e o direito universal à educação). Pressupõe ainda a clara separação entre religião do Estado, sempre tão melindrosa em países muçulmanos. Exige, por último, instituições que garantam separação dos poderes legislativo, executivo e judicial e que garantam economias de mercado minimamente transparentes, sem pressão das oligarquias antes dominantes.
Estou convencido que o processo será longo e alguns casos tortuoso. E que a fronteira entre o renascimento e o caos poderá ser ténue. Se há uma zona do globo que a (incipiente) política externa europeia deverá funcionar de uma forma sólida e a uma só voz, será aqui.

Carlos Sezões

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