Friday, January 14, 2011

Como financiar a democracia?


O Presidente da República promulgou, há umas semanas atrás, a nova lei do financiamento dos partidos, apesar de esta, no seu entender, incluir opções (cito) «indubitavelmente questionáveis». A redução das subvenções públicas e dos limites máximos dos gastos nas campanhas eleitorais foram imperativos a ter em conta, quer na concepção, quer na promulgação da lei em causa.
Convém, desde já, clarificar o que está em causa. Este é um debate actual na maioria dos regimes democrático e, a meu ver, deve ser conduzido tendo em vista dois objectivos essenciais: (1) assegurar que todas as forças partidárias disponham dos recursos suficientes para exercerem a sua acção política, uma vez que esta é fundamental para a estruturação da vontade política dos cidadãos e (2) garantir a máxima transparência das fontes de financiamento partidário, de modo a que os partidos desempenhem o seu papel de forma independente e livre de quaisquer constrangimentos ou influências, públicas ou privadas. Isto não é fácil de garantir, nem aqui, nem no resto do mundo. Basta lembrar-nos dos escândalos que nas últimas décadas afectaram a França, Espanha, Itália ou Alemanha.
Aqui, a questão do modelo é essencial. Em Portugal, através da lei aprovada em 2003 privilegiou-se um modelo de financiamento tendencialmente público. Revelando-se bastante oneroso para o Orçamento do Estado, tem sido justificado pelo argumento dos «custos da democracia» - no fundo, a factura que os contribuintes devem suportar com vista a diminuir a possibilidade de ocorrência de situações indesejadas, como corrupção ou clientelismo.
A presente lei, com as alterações agora em vigor, está longe da perfeição. Procurando, estabelecer limites e controlos rígidos, contém dimensões obscuras que se podem tornar perigosas: a ausência de um conceito claro de “actividade de angariação de fundos”, a possibilidade de contribuições dos candidatos, cujos rendimentos e patrimónios, como é sabido, não se encontram sujeitos à fiscalização ou o aumento das receitas que os partidos podem receber em “dinheiro vivo”.
Sinceramente, gostava que num dia futuro, fosse possível outra solução, assente num outro modelo. Acho que numa sociedade saudável, os cidadãos deveriam poder contribuir com o que desejassem, para o seu partido – assim o fizessem com transparência. Os partidos são, pela sua própria natureza, associações privadas. São grupos de pessoas que partilham as mesmas ideias e que desejam promover as suas causas e o seu modo de ver a sociedade. Transformar os partidos em “instituições públicas” dependentes deste financiamento faz com que percam a sua essência e que o espectro partidário se mantenha imóvel e sem a sempre saudável regeneração. Em suma, máxima liberdade com a máxima responsabilidade e possibilidade de escrutínio.
Enfim, como o possível é diferente do desejável, apenas espero que a transparência impere e os mecanismos de controlo funcionem. Que não continuemos a assistir, como no passado, a acórdãos do Tribunal Constitucional (com 2 ou 3 anos de atraso!) a condenarem as práticas dos partidos. E que não vejamos, continuamente nos telejornais portugueses, indícios que a falta de ética conseguiu novamente contornar a boa vontade das leis.

Carlos Sezões

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